- Victor Rangel
- 1 de abr. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de abr. de 2024

Quando falamos de uma boa história ou um roteiro bem estruturado, logo nos vêm à cabeça os diálogos ambiciosos, três atos bem definidos ou plot twists que viram a trama de cabeça para baixo. Nada disso é usado como artifício de linguagem em Dias Perfeitos, dirigido por Wim Wenders (Paris, Texas; Asas do Desejo; Pina).
A produção nipo-germânica nos mostra um recorte de duas semanas na vida de Hirayama, um senhor de trabalha como limpador de banheiros públicos em Tóquio, vivido pelo ator japonês Kōji Yakusho (Memórias de uma Gueixa, Sob o Céu Aberto, A Cura). Escrita por Takayuki Takuma e pelo próprio Wenders, a trama se desenrola de forma orgânica e bem honesta, sem a pretensão de dobrar o filme para um segundo ato após nos ser apresentado o universo comum do protagonista, não existe o famoso “Até que um dia...”, pelo contrário, o filme esbanja técnica de roteiro sem usar subterfúgios clássicos de narrativa, nos apresenta a vida do personagem de forma simplista, porém cheia de poesia.

O cotidiano de Hirayama, a princípio pode parecer infeliz e monótono, mas quando estreitamos nossos olhos conseguimos enxergar todo o subtexto intencionado, isso ocorre quando entendemos a história pelo ponto de vista do protagonista, só assim conseguimos ver que seus dias são repletos de pequenas bênçãos, dos prazeres de uma rotina, de contemplação de vida, além dos personagens extremamente bem construídos que cativam mesmo com pouco tempo de tela, por mais que sejam apenas participações efêmeras que vem e vão, deixam sua marca de forma potente. É impressionante assistirmos os mais de 30 minutos iniciais do filme sem que Hirayama pronuncie palavra alguma e mesmo assim termos a mensagem bradada com tanta sutileza e poesia: A solitude.

A parte estética do filme é um show a parte também, tanto nos posicionamentos de câmeras onde temos perspectivas muito bem executadas que despertam sensações assertivas, como, por exemplo: A câmera sempre vinda de baixo nas cenas que acontecem dentro de seu apartamento, nos mostrando o quanto é um local pequeno, com teto baixo, mas, ao mesmo tempo, apresenta cores e direção de arte belíssima que traz um contraponto para que não sejam cenas claustrofóbicas ou desconfortáveis, temos então um homem que é extremamente feliz por sua vida como é. A Direção de Arte trabalha lado a lado com a Direção de fotografia, nos trazendo um visual bem hollywoodiano, eles brincam com sombras e cores, com perspectivas que nos contam sobre quem é esse homem solitário que trabalha limpando banheiros públicos. Essa habilidade em contar a história de forma não verbal ocorre também nas cenas de apagamento social, onde vemos o personagem sendo invisibilizado pela população sem se sentir abalado em nenhum momento, pelo contrário, temos sempre uma visão contemplativa do protagonista que às vezes até acha graça das situações, Hirayama é seguro de si, sabe exatamente quem ele é e sobre a importância de sua vida, não aos olhos dos outros, mas de si mesmo.

Outro grande ponto são os dizeres “The Tokyo Toilet” (O Banheiro de Tóquio) estampado nas costas de seu uniforme, essa frase traz a sensação de marginalização, de inferiorização do expectador e da população no filme, isso aplaca também como uma crítica a nós mesmos, pois quando nos é apresentado o universo comum do personagem e já julgamos sua vida como sendo menor ou infeliz, escancarando assim nossos preconceitos que vão sendo desmontados conforme a trama se desenrola. Julgamos infeliz a vida de um homem só por trabalhar lavando banheiros? Para quem procura um melodrama com um viés classista onde o personagem muda de vida, esqueça! Nada muda e tudo segue lindo da forma que é.

É muito belo ver novas narrativas, novas formas de contarmos uma história sem que esbarremos sempre naquela “jornada do herói” onde a vida do personagem vira de cabeça para baixo e depois disso ele nunca mais será o mesmo.
Seu combustível vital é a arte, é como ele enxerga a vida e a forma com que se permite ou não ser atravessado pelas pessoas que passam pela sua jornada.